Nova era na regulação de medicamentos na União Europeia (UE): da Estratégia de Inteligência Artificial (IA) ao primeiro Relatório do Observatório
Em maio de 2025, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e o grupo Heads of Medicines Agencies (HMA – grupo que coordena as agências nacionais de medicamentos da União Europeia), anunciaram o plano estratégico para 2025–2028 “Data and AI in Medicines Regulation to 2028“, estabelecendo diretrizes para o uso de dados, análises avançadas e inteligência artificial (IA) na regulação de medicamentos.
O plano alinhou-se a iniciativas legislativas e digitais da União Europeia, como a revisão da legislação farmacêutica, o Espaço Europeu de Dados de Saúde (EHDS) e o AI Act (regulamento sobre o uso da inteligência artificial na União Europeia).
À época, Peter Arlett (EMA) e Karl Broich (BfArM) destacaram que a coordenação entre países, a capacitação técnica e a colaboração internacional seriam essenciais para transformar avanços tecnológicos em benefícios reais para a saúde humana e animal. Também foi definido que a EMA apoiaria a indústria e os comitês científicos com diretrizes para uso de IA em todas as fases do ciclo de vida dos medicamentos.
Avanço recente: publicação do Relatório 2024 do Observatório de IA
Em julho de 2025, a EMA divulgou o primeiro Relatório anual do Observatório de Inteligência Artificial (2024 AI Observatory report) da rede europeia de regulamentação de medicamentos. Este relatório compila a experiência da Rede com a inteligência artificial (IA) durante 2024 em aumento da produtividade, automatização de tarefas e apoio a decisões baseadas em dados ao longo do ciclo de vida dos medicamentos. Além do relatório, estão também disponíveis dois outros documentos relacionados (anexos ao relatório):
- uma compilação de exemplos de utilização da IA na regulamentação dos medicamentos (2024 AI Observatory report: Compilation of 2024 experience)
- um breve relatório de análise prospectiva (Review of artificial intelligence and machine learning applications in medicines lifecycle 2024: Horizon Scanning Short Report)
Este relatório inclui um estudo aprofundado de Horizon Scanning — uma metodologia de monitoramento sistemático de tendências, inovações e potenciais riscos, baseada em literatura científica, pré-publicações (preprints) e projetos financiados pela União Europeia. O objetivo é identificar com antecedência novas tecnologias, inovações, práticas e mudanças emergentes antes que elas se tornem amplamente aplicadas e possam impactar o desenvolvimento, a avaliação e a vigilância de medicamentos. Isso permite que os reguladores se preparem para novos tipos de estudos, dados ou metodologias, garantindo que a legislação, os guias e as competências técnicas estejam prontos para avaliar tecnologias disruptivas (como novas aplicações de IA) na descoberta de fármacos, no desenho de ensaios clínicos ou na farmacovigilância. Para esta análise, foi utilizada a ferramenta TRIP (Topics, Relationships, Impact assessment, Proposal generation), que mapeou, entre janeiro e novembro de 2024, literatura científica revisada por pares, pré-publicações, registros de ensaios clínicos, projetos financiados pela União Europeia e documentos de agências internacionais.
Este trabalho é parte da estratégia do plano estratégico “Data and AI in Medicines Regulation to 2028“.
Principais dados e achados
– Do Relatório “2024 AI Observatory report” (Relatório Resumo da EMA)
Este relatório apresenta elementos estratégicos e analíticos sobre o uso da IA na rede regulatória europeia:
- Ele compila a experiência adquirida com as ferramentas de IA em uso em 2024, incluindo ferramentas provenientes de agências nacionais, com o objetivo de automatizar processos, aprimorar produtividade e oferecer suporte à tomada de decisões.
- Registra também a participação da EMA em processos de qualificação de ferramentas de IA e em procedimentos de aconselhamento científico relacionados ao tema.
- Além disso, destaca aplicações emergentes da IA ao longo do ciclo de vida dos medicamentos, listando áreas como: descoberta de alvos farmacológicos, monitoramento e controle do processo de fabricação, seleção de pacientes em ensaios clínicos, uso de Digital Twins, farmacovigilância (detecção e notificação de eventos adversos), entre outras.
– Do documento “2024 AI Observatory report: Compilation of 2024 experience”
Este documento reúne exemplos práticos e tendências observadas ao longo do ano. As aplicações identificadas incluem o uso de IA para aumentar os conhecimentos sobre os dados e apoiar a tomada de decisões no ciclo de vida dos medicamentos, identificada como parte da qualificação de novas metodologias para o desenvolvimento de medicamentos, aconselhamento científico, reuniões da Innovation Task Force e reuniões sobre portfólio e tecnologia. Também abrange ferramentas de IA destinadas a otimizar a produtividade pessoal e os fluxos de trabalho internos, bem como para automatizar processos e sistemas utilizados tanto pela EMA quanto pelas agências nacionais da União Europeia.
– Do documento “Horizon Scanning Short Report – Review of AI/ML applications in medicines lifecycle (2024)”
Este documento detalha os exemplos práticos e a metodologia por trás do estudo de Horizon Scanning:
- Descreve como a EMA usou a ferramenta TRIP (Topics, Relationships, Impact assessment, Proposal generation) para analisar, entre janeiro e novembro de 2024, fontes como artigos científicos, pré-publicações, registros de ensaios clínicos, e projetos financiados pela UE, além de relatórios de agências como FDA e da OMS entre outras fontes.
- Detalha alguns exemplos de aplicações de IA em cada fase do desenvolvimento e ciclo de vida dos medicamentos e descreve algumas oportunidades e desafios apontados pelos desenvolvedores:
- Descoberta (Drug discovery) – Exemplos: identificação de alvos farmacológicos, design de compostos, reposicionamento de medicamentos repurposing), predição de interações.
- Desenvolvimento pré-clínico (Non-clinical development) – Exemplos: previsão de farmacocinética (PK) e toxicidade, previsão penetração de barreira hematoencefálica, redução do uso de animais no desenvolvimento de medicamentos.
- Ensaios clínicos (Clinical trials) – Exemplos: recrutamento de participantes, estratificação de pacientes, uso de gêmeos virtuais (digital twins).
- Medicina de precisão (Precision medicine) – Exemplos: posologia/ajustes de dosagem personalizados e identificação de novos biomarcadores para terapia individualizada.
- Informações de produto (Product information) – Exemplos: automação na redação e atualização de bulas e outros documentos regulatórios.
- Fabricação (Manufacturing) – Exemplos: otimização de processos, controle de qualidade, liberação de lotes.
- Pós-autorização (Post-authorization) – Exemplos: detecção precoce de reações adversas e detecção automática de sinais a partir de registos de saúde eletrónicos.
Estes exemplos estão bem documentados ao longo das seções deste documento, incluindo as oportunidades e desafios proporcionados.
O documento também aponta que a proteção e a privacidade dos dados são um dos principais desafios apontados em vários estudos. Outra limitação é a qualidade e a quantidade dos dados para alimentar os modelos apresentados e melhorar as previsões.
O relatório concluí que a IA é uma excelente oportunidade para melhorar os processos nas agências reguladoras, mas é necessário adaptar as estruturas e os processos para acomodar o uso da IA nos processos internos. Isso inclui implementar ferramentas de IA, atualizar diretrizes e garantir que os funcionários reguladores sejam treinados para efetuar as avaliações baseadas em IA.
oordenação e regulação da utilização de IA no ciclo de vida dos medicamentos
A European Medicines Regulatory Network (EMRN) é a rede colaborativa formada pela EMA, pelas agências nacionais competentes dos Estados-Membros da UE/EEE e pela Comissão Europeia que garante a regulação harmonizada de medicamentos em toda a UE.
No contexto da inteligência artificial, a EMRN atua como a estrutura colaborativa que permite desenvolver, testar e aplicar ferramentas de IA de forma coordenada em todo o ciclo de vida dos medicamentos. É nesta rede que são partilhadas experiências, dados e boas práticas, garantindo consistência e qualidade técnica nas avaliações.
O Network Data Steering Group (NDSG), gerido conjuntamente pela EMA e pelo HMA, é o grupo específico da EMRN responsável por coordenar políticas, estratégias e capacidades analíticas ligadas ao uso de dados e IA. Criado em janeiro de 2025 para suceder ao Big Data Steering Group (BDSG), o NDSG supervisiona a publicação anual do Relatório “AI Observatory report” e assegura que as conclusões do Horizon Scanning e outros estudos sejam incorporadas nas práticas regulatórias da rede.
O AI Act — Regulamento Europeu sobre Inteligência Artificial — fornece o enquadramento jurídico que define requisitos obrigatórios de segurança, transparência, gestão de risco e proteção de direitos fundamentais para o desenvolvimento, uso e supervisão de sistemas de IA utilizados no setor farmacêutico, incluindo os utilizados no desenvolvimento, avaliação e monitoramento de medicamentos. A sua aplicação significa que soluções de IA utilizadas no ciclo de vida de medicamentos (nomeadamente no desenvolvimento e monitoramento de medicamentos) precisarão atender a requisitos específicos de qualidade, documentação e avaliação de risco.
Implicações para a indústria farmacêutica
A publicação dos relatórios da EMA sobre IA indica mudanças importantes no desenvolvimento e regulação de medicamentos na UE. As empresas que adotarem IA para a descoberta de fármacos, ensaios clínicos, fabricação e farmacovigilância terão vantagens competitivas, desde que garantam validação, governança e supervisão humanas em conformidade com o AI Act. A utilização de IA, para além de acelerar os processos, permitir a automação documental e a utilização de dados do mundo real, pode reduzir custos e prazos, mas exige controles de qualidade e transparência para obter aceitação regulamentar.
Por que razão é isto importante para a indústria farmacêutica fora da Europa?
Para acessar ou manter medicamentos no mercado europeu, as empresas farmacêuticas não europeias precisarão adaptar os seus processos de IA aos requisitos do AI Act e às diretrizes da European Medicines Regulatory Network. Isto significa preparar documentação compatível, adotar boas práticas de governança de dados e explorar oportunidades de parcerias e de inovação com centros europeus. A antecipação destes requisitos pode evitar a necessidade de revisões adicionais, acelerar os processos de submissão e aumentar a competitividade no cenário global.
Saiba mais em:
Acesse à informação completa sobre Inteligência Artificial no site da EMA em: Artificial intelligence | European Medicines Agency (EMA)
Na Vita Pharma Consulting, acompanhamos de perto as tendências regulatórias internacionais e apoiamos empresas na adaptação de processos e documentação para atender aos requisitos europeus de IA, garantindo submissões mais ágeis, seguras e alinhadas às expectativas da EMA.
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